Ontem, enquanto pensava ir ao Procópio, só me vinha uma ideia à cabeça: será que lá se pode fumar? Confesso que não imaginava aquele lugar sem as chaminés por cima dos habitués... Na verdade, acho que até perdia um pouco o encanto e o ambiente característico dos charutos, cigarrilhas, cigarros e cachimbos! E não é que se pode mesmo! Há coisas que ainda bem que não mudam... País de cigarro livre, já dizia o Garrett.
(...) No entretanto vamos acender os nossos charutos, e deixemos os precintos aristocráticos da ré: à proa, que é país de cigarro livre.
Não me lembra que lord Byron celebrasse nunca o prazer de fumar a bordo. É notável esquecimento no poeta mais embarcadiço, mais marujo que ainda houve, e que até cantou o enjoo, a mais prosaica e nauseante das misérias da vida! Pois num dia destes, sentir na face e nos cabelos a brisa refrigerante que passou por cima da água, enquanto se aspiram molemente as narcóticas exalações de um bom cigarro da Havana, é uma das poucas coisas sinceramente boas que há neste mundo.
Fumemos!
Aqui está um campino fumando também gravemente o seu cigarro de papel, que me vai emprestar lume.
– «Dou-lho eu, senhor...» acode cortesmente outra figura mui diversa, cujas feições, trajo e modos singularmente contrastam com os do moçárabe ribatejano.
Acenderam-se os charutos, e atentámos mais devagar na companhia em que estávamos.
in Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett (1799-1854)
1 comentário:
Boa notícia, Sofia.
Tens toda a razão, o Procópio sem fumo, já nem seria o Procópio
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