A M. foi a minha primeira amiga em Lisboa! Tinha eu acabado de chegar da minha infância no campo, onde a liberdade quase não tinha limites, quando a conheci, no primeiro dia de aulas. Ficámos logo muito amigas, as melhores. Vivíamos perto uma da outra, voltávamos juntas da escola e foi com ela que partilhei todos os anos até ao fim do liceu. Foi uma amiga sempre, mesmo que depois nos tenhamos separado um pouco, ela sabia sempre quase tudo sobre mim e ainda hoje, quando nos vemos, ficamos horas à conversa… já é feitio, se havia repreensão a fazer-nos na escola era sempre a mesma: faladoras.
Na sala de aula, copiávamos desde sempre uma pela outra, mandávamos bilhetinhos e escrevíamos cartas de amor em conjunto aos nossos respectivos amores. O D. gostava de mim, mas era a ela que lhe tremiam as pernas quando ele aparecia na sua bicicleta verde. As nossas conversas à porta da escola eram feitas em 'estrangeiro', para nos armarmos em crescidas, mas aquilo não era língua nenhuma, nem nós nos percebíamos. Cantávamos a Laura Pausini com as letras todas trocadas. Depois das aulas, passávamos horas ao telefone e eu sentia o cheiro do arroz-doce da mãe dela através do telefone! Andávamos sempre à chuva, porque nunca gostámos de guarda-chuva, mas antes de ela ir para casa ia secar a roupa e o cabelo à minha. Crescemos sempre juntas e fomos andando de escola, sempre juntas.
Juntas vivemos a maior aventura, armadas em espiãs de alta classe – descobrir o que estava para lá de uma porta fechada a sete chaves, numa sala ao fundo da nossa escola. Como boas espiãs levámos luvas para não deixar impressões digitais e lanternas para espreitar pelo buraco da fechadura. Tentávamos arrombar a porta, mas isso fazia muito barulho e, magrinhas como éramos (ela ainda é!), não íamos ser capazes. Só havia uma maneira de lá entrar: saltar uma parede que não ia até ao tecto ou, pelo menos, espreitar por ela… foi ela que o fez, porque era mais alta! Mas foi também ela que se magoou, porque eu a deixei pendurada na parede, sem a ajudar… não tinha forças. Nunca chegámos a saber ao certo o que lá estava. Sabíamos que eram livros, outras coisas, nada de importante para nós, que julgávamos ir encontrar cadáveres e tesouros (imaginação fértil!). Mas, para nós, foi como descobrir o baú do tesouro e ele estar vazio. Uma desilusão.
Desde então que não penso nesta história, mas, na sexta-feira, falava eu da minha biblioteca, num primoroso jantar em casa da minha mãe (como são todos os que ela faz, assim se conserve!), quando me disse:
- Sabes, os livros da tua biblioteca estiveram anos fechados numa sala da escola primária! Uma sala lá ao fundo, que estava sempre fechada. Lembras-te?
E eu só tive tempo de abrir um sorriso e de dar pulos de alegria – afinal. aquilo era mesmo um tesouro e agora era meu! Nem queria acreditar! E esteve à minha espera, à espera de que eu pegasse em cada um dos livros e os ordenasse, para depois partilhar este nosso tesouro com o mundo. A vida é maravilhosa, estas coincidências são sempre deliciosas.
Por isso Mada., hoje partilho contigo este nosso tesouro e espero uma visita tua, para que possamos apreciá-lo as duas!
4 comentários:
achei melhor dormir sobre o assunto, porque ontem estava demasiado emocionada para comentar...foi um regresso à infância. à nossa. lembrar coisas que a minha memóri já não alcançava, como secar o cabelo em tua casa, e a lingua inventada à porta da escola, na esperança de sermos muito cultas com 7 anos.
foram tempos felizes, crescemos juntas literalmente, e és quem está na minha vida ha mais tempo. pessoas entraram, e passaram.davids,luizes,pedros pereiras and so ons.
combinavamos toilletes para o dia seguinte, jardineiras com a alça propositadamente descaída, e parecia que o mundo ia ser n osso. e ainda vai ser, ainda vai ser.
esse tesouro é um verdadeiro regresso à infancia,merece ser um conto mesmo. como o tesouro de infancia que a Amelie encontra escondido na parede...e o devolve ao seu dono. esse é o nosso. na altura uma desilusão que nao compreendemos.quem sabe se a dimensao nao sera maior?there's no such things as coincidences.
e receber boleia inesperada de uma a miga é sempre bom. desde os 7 que falamos a 300 rotações, e isso vai sempre continuar connosco.
beijinho*
quinta-feira pomos a conversa em dia.os tesouros todos.deprimentes ou não*
Ah, eu conheço isto. De onde?...
M. pois minha querida hoje posmos tudo em dia, ou pelo menos actualizamo-nos, porque há coisas que nos separam, mas há muitas mais que nos unem, sempre! Andamos desencontradas, mas os nossos encontros são sempre de amizade, de cumplicidade e de muita história!
um beijinho enorme
Pois é Mad. há histórias parecidas... as amizades são assim!
beijinhos
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