segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Fernando Guimarães - a simplicidade profunda

A Associação Portuguesa de Escritores atribuiu ao livro "Na voz de um nome" o Grande Prémio de Poesia 2006. Fernando Guimarães, 79 anos, natural do Porto, foi galardoado pela 2ª vez com esta distinção, a primeira foi há quinze anos com a obra “O Anel Débil” (Edições Afrontamento). A questão surgiu no “Público” de ontem: será desta que o autor, também tradutor, ensaísta e crítico literário, deixa de ser "um poeta português injustamente esquecido"?
(Vieira da Silva - Bibliotèque en feu)
A verdade é que este poeta aparece muito poucas vezes citado, recitado e nomeado, mesmo no meio literário, quanto mais na boca do povo. A sua obra entende-a como necessária – “Não para os outros, mas para mim. Mas se ela puder dizer qualquer coisa aos outros, se abrir um caminho de comunicação, então sentir-me-ei feliz. Mais nada”. No entanto, considera que a linguagem poética da poesia contemporânea não tem um reflexo imediato, como teve a poesia do século XIX, talvez por esta ser mais densa e hermética. No seu entender, a poesia é uma “experiência” – “uma experiência da linguagem, naturalmente, e também da imaginação. Realiza-se, assim, um encontro que não é propriamente com os leitores, mas com o espaço literário, com situações de leitura.”

Faço aqui a minha homenagem a um poeta de que gosto particularmente, pela simplicidade das palavras, mas pela densidade da mensagem, na medida em que se fundem a poesia e a filosofia, um eco das duas influências. Distingo o rigor expressivo da sua poesia, que Jorge de Sena sintetizou como "uma atmosfera visionária mas estranhamente tranquila".


Folheias um livro (poema inédito)
Folheias um livro.
Numa das páginas encontras um desenho
que está por concluir. Por alguma razão ficou assim. Talvez
sejam suficientes as linhas ali desenhadas. Numa praia
podem ser vistos alguns vestígios da água. Muitas vezes procuras
descobrir o sentido do que não precisa sequer de estar
junto de ti, porque houve mãos que já o sabiam. De novo a água
atravessa aquelas páginas. Fixas o teu olhar e recebe-la
para que também sejam as tuas mãos capazes desse conhecimento. Depois
principiaste a ver melhor o que nem sequer existia. Fechas
o livro devagar. O desenho que tinhas encontrado está agora completo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Deste poeta conheço pouco mais do que o nome, mas tenho pena. Encontrei este soneto, dedicado a uma artista da nossa zona. Olha:

NATUREZA MORTA DE JOSEFA DE ÓBIDOS,
in Casa: o seu Desenho (INCM, Lisboa, 1985)

Talvez sustentes o que do tempo os frutos
nos vinham entregar, se os vemos próximos
do calor encontrado nestas salas
tão longas que se fecham e consomem

uma minúcia clara, agora extinta
na polpa que se adoça, e em tua fronte
pousou e se adelgaça a transparência
de recortes simétricos, nas rugas

de panos – as verónicas – que exalam
a humidade pura, que das folhas
chegasse, quando as vemos desprendidas

noutras colchas mais fundas que sustentem
as molduras que cercam o sentido
de estar ausente a face que nos olha.

Anónimo disse...

Vês porque é que eu gosto do Fernando Guimarães? Pelas palavras, esse jogo todo encaixado, todo com sentido, mesmo quando não faz sentido nenhum! Parece que se sente a realidade poética, a poesia é 'experiência', mas ler poesia deve ser tocar essa experiência... Entendes?

Mad disse...

Não conheço, Sofia, mas quando puder, hei-de lê-lo com calma. Obrigada pela sugestão.
Bjs,

Anónimo disse...

Acho que vais gostar...
beijinhos