Antecipando o feriado do 1 de Novembro, em que não estarei por cá, para partir para outro cais por uns dias, deixo-vos com uma recordação dos tempos de meninice - o Pão por Deus!
Lá vai o meu coração
Sozinho sem mais ninguém
Vai pedir o Pão-por-Deus
A quem quero tanto bem.
Sozinho sem mais ninguém
Vai pedir o Pão-por-Deus
A quem quero tanto bem.
Na minha infância, vivida na vila de Atouguia da Baleia, bem perto do mar do Baleal, na manhã do 1 de Novembro saía-se à rua a pedir Pão por Deus. Saíam as crianças batendo de porta em porta, gritando:
- Pão-por-Deus! - esperando que do outro lado abrisse a porta um sorriso com um cesto cheio de doçuras! Era uma festa, uma data antecipada em muitas conversas, relembrando os anos anteriores, contabilizando os doces conseguidos, que eram como troféus! Sabíamos que nos iam encher o saco de pano, alguns meticulosamente bordados, de doces e de coisas boas! Todos gostávamos e sabíamos que cada um dava o que podia e dava com o coração! Mas o melhor mesmo eram as casas dos amigos, onde recebíamos sempre mais do que nas outras e éramos tantos amigos! A Rita, a Filipa, a Magda, a Sandra... tantos, tantos! Nada poderia fazer-me mais feliz - chupas, doces, chocolates, mas os mais antigos davam tremoços, pevides, amendoins, fruta, broas e frutos secos e os mais generosos uma moedinha, talvez dez escudos, o que ainda dava para quatro pastilhas gorila na taberna ao pé da escola, lá eram só dois e quinhentos! Velhos tempos!
Quando vim viver para Lisboa, aos oito anos, tive muita pena de não haver por cá esta tradição. O mais parecido que havia era, em Junho, pedir-se uma moedinha para o Santo António, mas não havia doces para ninguém, apesar de as moedinhas darem para muitos doces na mercearia do Sr. Fernando. Eu via as minhas amigas comprarem, mas eu não tinha essas moedinhas, que a minha mãe não me deixava andar na rua! Coisas da cidade!
Mas hoje, é desses tempos e dessa terra onde a liberdade se ganha na infância e a inocência nos deixa a correr horas sem fim pelos campos e pelas ruas, sem medos, sem tempo... Hoje, são essas recordações que ficaram, de uma manhã a bater de porta em porta, a encher de sonhos um saco de alegria - nada melhor do que um doce para fazer feliz uma criança e quem corre por gosto não cansa. Se pudesse ainda ia ao Pão por Deus, mas já estou crescidinha, resta-me o consolo de um saquinho que me fica destinado em casa da Avó Lena, cheio de Bolas de Neve e que como, tal como dantes... todas de uma vez!
Nota: corrigido após comentário de um anónimo
7 comentários:
Gosturas ou Travessuras?
Este Blogue é uma das primeiras...
Bom Pão por Deus, com esse "bruxo" que por aí habita.
A Atouguia não é nenhuma aldeia, mas sim vila HÁ 700 anos!!! :P Quanto ao pão-por-Deus, eu também ADORAVA, era desde manhã cedo até ao anoitecer, "correr" o máximo de casas possiveis para conseguir a maior quantidade de coisinhas doces possiveis. Lá vai o tempo da inocência... Se pudesse ainda hoje(amanha) ia ao pão-por-Deus... Bons velhos tempos que não voltam mais... Foi bom enquanto durou, agora temos que dar oportunidade aos mais pequeninos porque nós já estamos grandinhos e somos nós que agora temos que dar a eles...
Obrigado anónimo, já corrigi. Bem-vindo a este cais!
Quem sabe se não vais receber um inesperado "pan por Dios" em Madrid??
;)
No tempo em que a minha mulher era uma menina- ela ainda o é, mas enfim - da "carta" do Pão por Deus não faziam parte as doçarias industriais com que os míudos ficam, hoje em dia, todos lambuzados. O "menu" era composto essencialmente por produtos da terra e do Outono,como pevides, tremoços, amendoins, bolinhos de farinha e manteiga ,nozes e , aqui e ali, uma moedinha de 5 escudos para comprar pastilhas elásticas. Os miúdos eram espertos e , como adoravam nozes, iam primeiro a casa das pessoas que eles sabiam possuir nogueiras.
... e - esqueci-me de dizer- o que contei era a tradição de um lugar serrano chamado Cabanas de Torres, numa serra que olha o mar e a quem deram o nome de Montejunto, tradição essa muito parecida com aqueloutro lugar, mais próximo do mar, mais rente ao mar, que é o lugar das (boas ) lembranças da Sofia.
Deste nosso povo , bem que podemos dizer, apropriadamente: " todos diferentes, todos iguais".
Ai Madrinha, agora não te posso dizer que pan por Dios esperava receber, mas depois conto o que recebi! Melhor ainda... muito doce!
;)
Miguel, obrigada pela partilha! Ainda bem que há mais quem se lembre desse Pão por Deus... ou desses, espalhados por aí! Também prefiro esses doces de antes, como as broas caseiras... estas pequenas coisas têm o dom de nos contentar e de nos fazer felizes...
beijinhos a ti e à Paula (gostei que disseses que ainda é menina! Tão querido!)
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