Mais de um ano depois, voltei a entrar no Galeto, voltei a sentar-me no mesmo lugar e a comer a mesma coisa: sopa de tomate gratinada e uma dose de batatas fritas. Pela minha cabeça passearam-se as memórias dos Domingos ali passados a jantar com o Avô. Quase que revi inteiramente cada um de nós, ali sentado. As omoletes com batatas fritas e o melhor esparregado do mundo. O pão em tostas pequenas e cheio de patê de sardinha e de atum. O gelado de pistachio e um número infinito de Coca-Colas. O jantarmos todos juntos, memórias de uma infância feliz. Seguiam-se os passeios pelos túneis da Avenida: do Campo Pequeno ao Grande, sempre em alta velocidade, para fazer borboletas na barriga, fazendo-nos rir sem parar... para um lado e para o outro, uma e outra vez e mais outra!
Mais tarde, já era depois das noitadas que nos encontrávamos ali, com o Avô, que nunca deixou de ter idade para lá estar até fechar. Lembro-me do sorriso com que nos recebia, mesmo sabendo que, naquele dia, a conta iria quadriplicar, mas tínhamos direito a pedir tudo... e lá vinham o bitoque, a sopa, as batatas fritas, as imperiais...
Hoje voltei lá, depois de uma noitada, depois de um concerto da Teresa Salgueiro. No caminho de casa, fiz marcha atrás e soube, imediatamente, que tinha de voltar ali, porque é um sítio tão especial, tão meu. Estava cheio, mas os nossos lugares ainda estavam vazios, como que à nossa espera... sentámos e recordámos... o Avô, os serões ali passados, as conversas que tivemos, mas houve uma coisa que me fez sorrir muito: a imagem daquele sorriso com que nos recebia! Muitos dizem que tenho um igual ao dele... nunca acreditei muito nisso, mas hoje, acho que estava igualzinho!
6 comentários:
Tem graça, Sofia, como cada um de nós tem uma percepção diferente , uma afinidade diferente, por um mesmo lugar.
Nesta tua relação com o Galeto, arrisco-me no entanto a dizer que, para ti, ela é mais afectiva e emocional de um passado com o teu Avô, da sua amizade e companhia, do que com o Galeto em si. Diria mesmo mais, diria que as memórias do local dessas felizes vivências até poderiam estar associadas a um outro local qualquer.
É que para mim o Galeto sempre representou um misto de snack bar seboso, de concepção bizarra (estranho o serpentear dos bancos à volta do balcão...) meio tosta mista com manteiga rançosa meio feijoada à brasileira, passando por um menu que não é nem uma coisa nem outra, coisa que o próprio cheiro do local reflecte de um modo bem desagradável ao meu olfato.
Sempre também achei que todas aquelas áreas de cozinha devem estar, ao longo dos anos, impregnadas de toneladas de gordura nos cantos e nas paredes e carentes de uma boa lavagem, desinfecção e obras de renovação. Diria mesmo até, que valeria a pena deitar tudo abaixo e começar outra vez. Sorry...
Desculpa lá mas nem o tal esparregado a que te referes como 'o melhor do mundo' (?!) e que nunca comi, me levaria lá e recordar as poucas e más memórias gastronómicas que tenho desse local.
E acho que, neste capítulo, até a ASAE esteve recentemente de acordo comigo...
Beijoca e bom proveito do Manel Teixeira
Tens razão quanto à natureza híbrida do Galeto, Manel, mas essa não me incomoda. E da comida não tenho razão de queixa. Quanto à ASAE, fiquei fulo, no ano passado, ao saber que o Galeto não cumpria as regras. É uma casa que não precisa de descer a esse nível (até pelos preços que pratica) e, sobretudo, os clientes, muitos deles fiéis de anos (vide Avô Knapič), merecem outro respeito. Durante algum tempo não pus lá os pés.
Interessa-me, porém, explorar o maneira como criamos afinidades com os sítios. Se a doce teia de recordações que a Sofia descreve tivesse nascido noutro local (ainda que com o mesmo Avô, omoletas e batatas, passeios pelos túneis a seguir), seria outra que não esta teia de recordações. Isto porque dela fazem parte o cenário (feio, é certo, mas já tão familiar que ontem fomos direitos aos "nossos" lugares), os figurantes (o empregado que atendia o Avô, e que passado mais de um ano ainda se lembra da neta e do neto emprestado que me alegra ter sido) e toda a envolvente.
Já percebi que entre o que dizes e o que digo não há muita diferença. Simplesmente, o "nosso" Galeto deixa de ser o Galeto tout-court. Claro que são as memórias do Avô que nos fazem lá ir (e nota que em mim são bem recentes, mas muito acarinhadas). Mas essas memórias têm em si um pouco de Galeto, isto é, o espaço onde uma história se desenrola cola-se-lhe à pele. Um abraço!
Estas entradas, tão intimistas da Sofia, lêem-se sempre com enorme agrado e reconciliam-nos com o local onde imensos locais diferentes.
Quanto ao Galeto, nem me lembro quando foi a última vez que lá entrei. Mas associo-o sempre a Lisboa.
Esta Lisboa que é a nossa tem muito por descobrir...
As memórias "colam-se" a outras memórias! A partir da presença das tuas memórias, outras, as minhas, tornaram-se presentes e, também, em torno de Alvalade.Desta vez o Café-Restaurante é o Vavá e os personagens sou eu o meu pai e a sua tertúlia.Conversas segredadas quase em surdina num tempo em que as paredes estavam cheias de "ouvidos".E
eu, toda feliz, por ser premiada por essa entrada no mundo dos adultos.
Pois é Manel, a verdade é que tento mesmo esquecer o facto de a ASAE ter fechado o Galeto por causa das baratas e da carne podre... mas enfim, durante muito tempo não fui lá por causa disso, mas ontem, com baratas ou não estava tudo óptimo! Quanto ao esparregado era o melhor do mundo, porque era o único que eu comia, na altura... LOL, mas agora, o melhor é o que eu faço, com espinafres do Baleal! Deste também não provaste, pois não?
Huck, como tu me compreendes... prometo querer ir lá mais vezes!
Miguel, Lisboa tem sempre um cantinho por descobrir e um recanto por redescobrir... tantos sítios que às vezes esquecemos, que às vezes pomos de lado durante uns tempos... Foi o que aconteceu com o Galeto... mas agora acho que também já me reconciliei com ele!
Addiragram... ai Alvalade, o meu novo Bairro... Desde pequenina que gostei dessa ideia de entrar no mundo dos adultos, muitas vezes às escondidas, ouvindo como se não estivesse a ouvir! Como me senti feliz no dia em que a minha avó Dá me deixou fazer um comentário ao jornal da Uma... isso era sinal de que a minha opinião já contava!
Beijinhos a todos
Também aí eu guardo muitas e boas memórias do esparregado dos espinafres do Baleal, feito a rigor nas férias de Verão pela minha tia Midá, com os espinafres que cresciam (e ainda crescem !) desalmadamente num pequeno canteiro de areia nas traseiras do páteo interior da casa dos meus tios Bairros no Baleal, e que tinham sido originalmente plantados pelo meu tio Raul, e proliferavam (e proliferam ainda!...) descontroladamente e que nem uma peste, muito para o meu agrado, pois o esparregado quando é bom e bem feito é um acompanhamento que a-do-ro !
E a qualidade dos espinafres é absolutamente fundamental, sendo que os do Baleal são os de folha pequena e carnuda, e carregadinhos* de sabor.
Nada como um bom esparregado para acompanhar uns 'cordon bleu' fininhos, de vitela, queijo gruyere, bem fritinhos, ou (no PAPA AÇORDA) umas costeletas (muitas, mas pequeninas) de borrego, panadas, bem fritinhas!
Qual Galeto qual carapuça...
Beijo do Manel
P.S. Mas, porque me orgulho do meu fair-play, ainda hei-de ir ao Galeto, um dia destes, provar esse tal esparregado e dizer, com conhecimento de causa, de minha justiça.
* aprendi, não há muito tempo, que o mito dos espinafres serem 'carregadinhos de ferro' não passa de uma crença falaciosa e que é provàvelmente devida à imagem deles passada pelo POPEYE que comia espinafres à fartasana e ficava cheio de força, podendo assim libertar a OLÍVIA PALITO (Olive Oil de seu nome original)das mais incríveis peripécias. Lembras-te ?
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