quarta-feira, 23 de abril de 2008

Matar saudades


Cecília Meireles, em desenho de Apard Szenes

"(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."
Cecília Meireles (1901-1964)


Voltei a estudar literatura. Andava com tantas saudades de pegar num livro, de fio a pavio, e de destrinçar as entrelinhas, as reticências e o que se esconde por trás de um poema, de um texto. Há dias, lá andava às voltas com Cecília Meireles, quando me perdi em interpretações, em leituras minhas, e senti a tal saudade. Peguei num lápis e comecei a rabiscar os versos, a escrever em letra miudinha ao lado deles e a construir uma nova realidade do poema aos meus olhos de agora. Perdi-me de encantamento.

Gosto de Cecília. Conheço os seus poemas de uma Antologia à qual tenho um carinho especial e de versos soltos que às vezes encontro. Pesquisei um pouco mais sobre a biografia, a sua vida de menina órfã desde cedo, de pai e de mãe. Por isso, desde logo criou uma certa 'intimidade com a Morte', como disse. Ganha com ela a plena consciência, própria dos poetas - o confronto do éfemero com o eterno, porque na vida tudo é transitório, tudo passa. Essa temática tão cara aos poetas de todos os tempos. Gosto da sua poesia transparente, da simplicidade do seu lirismo, que é, ao mesmo tempo, concretizado com enorme preciosismo. Ao lê-la, aproximamo-nos da poesia primitiva, pela sua pureza e espontaneidade.

E foi assim que peguei em livros e me pus a ler e me pus a estudar uma poeta que é autora dos mais claros poemas brasileiros.

Acho que a seguir vou voltar-me para a Sophia ou para Mário Quintana. Ainda não me decidi, mas sei que não vou deixar voltar a saudade!

5 comentários:

MariaV disse...

Passei só para dizer que também eu tenho "ondas" destas. Pego em lápis, rabisco livros, apetece-me estudar outra vez, agora com outra maturidade, para perceber melhor o que antes, muitas vezes, fora apenas obrigação. Mais tarde pode tornar-se puro prazer.
Espero que já estejam a dormir. Schiu... (E saio, de mansinho, para não acordar ninguém.)

Sofia K. disse...

Aconteceu o mesmo comigo, a obrigação deu lugar ao prazer... e sabe tão bem!

Ainda não estamos a dormir, hoje é dia de impressão do jornal e vai durar até de manhã! Podes fazer o barulho que quiseres, para ver se eu não adormeço, já faltou mais!

beijinhos

Ricardo António Alves disse...

Gostei muito deste post. É bom estudar literatura, mas amá-la é melhor ainda. E com a Cecília Meireles só podemos mesmo amá-la.

ana v. disse...

E fazes muito bem, miúda. Até porque tens sensibilidade suficiente para, ao "esquartejar" poemas para analisá-los, não perderes o encantamento que sentes por eles. E isso é um "2 em 1" ideal.
O Brasil tem poetas maravilhosos.
Beijinhos

Sofia K. disse...

Raa, também prefiro amar, mas às vezes acho que tenho de estudar para amar melhor!
beijinhos

Aninhas, a poesia brasileira é uma perdição. Quando a andava a estudar na faculdade o meu problema era concentrar-me, além do encantamento! E tive a sorte de aprender com um dos melhores professores, Abel Barros Baptista! Tenho saudades dessas aulas!

beijinhos