segunda-feira, 14 de abril de 2008

A nossa orquestra



Ontem, fomos ouvir a orquestra Sächsische Staatskapelle de Dresden, no Coliseu.

Desde pequena que gosto de orquestras e só eu sei porquê! Ainda hoje tenho o mesmo olhar infantil sobre elas, talvez por causa das recordações que guardo das vezes em que as vi, com as minhas irmãs, no tempo em que íamos arrastadas!

Gosto dos maestros que dançam de batuta na mão, que fazem 'pliês' e saltitam de um lado para o outro, com o cabelo solto (nunca poderiam usar capachinho!), ligeiramente comprido, com as pontas a voar como se estivessem ao vento... quase que dão música à música que toca por trás. Gosto dos senhores e das senhoras que tocam os violinos, de arcos todos sincronizados, para um lado e para outro, com caras muito sérias e compenetradas, momento solene. Gosto dos violoncelos, porque os acho muito sensuais e sempre desejei tocar um, e dos contrabaixos, que sempre foram mais altos do que eu, ainda hoje!

Mais atrás, os 'sopros', muitas vezes tocados por homens sem bochechas suficientes para o fazer. Os magrinhos tocavam as flautas e os fagotes, os mais gordinhos as trompas, as tubas, trombones e trompetes. Era assim que imaginávamos, que comentávamos, que nos entretínhamos durante aquelas horas mais compridas da nossa infância! Depois, havia os senhores dos tambores, em cuja arte não encontrávamos muita ciência, pura ignorância da nossa infância! Havia os ferrinhos e os pratos que depois recriávamos em casa, com as tampas dos tachos e com os talheres a bater nas travessas, para grande dor de cabeça da minha Mãe!

Às vezes, um piano de cauda, muito brilhante, muito preto, e uma harpa, a 'menina dos meus olhos', de lado. Perdia-me a olhar para ela e para o dedilhar de quem a tocava...

Enfim, era assim a nossa orquestra. O meu Pai ia enumerando os instrumentos, nós íamos dormitando entre andamentos, mas batendo palmas. A minha irmã gritava 'Bravo!', a seu tempo, para grande risada nossa. O momento das palmas era a nossa alegria – já faltava menos um bocadinho para o fim! O meu Pai explicava o compositor, a orquestra, o maestro e nós íamos acenando que sim, de sorriso amarelo, com ar interessado. No fim, a célebre pergunta:

-Então, gostaram? – ao que respondíamos em coro:

- SIM! – pura mentira, que afinal aquilo tinha sido uma grande seca. As três à frente, em passo acelerado, não fosse o meu pai ter ideias de ainda querer parar em mais algum lado. E lá íamos as três, de kilt igual, meias até ao joelho e camisinha engomada a repetir o que o meu pai dizia à minha mãe e já sabíamos de cor:

- Um dia ainda hão-de dar valor a isto...

E demos, uns dias mais do que outros, umas mais do que outras, mas a verdade é que nos educaram o ouvido e é bom saber umas coisas e ter ouvido outras. Fez-nos bem!

Havia coisas que mudaríamos nesses concertos, devíamos poder bater o pé a compasso, cantarolar a música quando a sabíamos e comentar as caras dos músicos, que são bastante cómicas. Consolavam-nos os joelhos, o nosso piano portátil, para irmos tocando o que ouvíamos. Valiam-nos os ombros umas das outras para encostarmos a cabeça quando o João Pestana chegava. E valia-nos a companhia umas das outras, a troca de olhares cúmplices, os risos e gargalhadas sempre educadamente contidos e a certeza de que alguma vez, a qualquer hora, aquilo teria de acabar. Mas acabávamos por gostar. Nunca revelámos a ninguém, mas às vezes a música era boa, às vezes valia a pena, mas esse era o nosso segredo!

3 comentários:

MariaV disse...

Ai c'amor! Estou a imaginar três meninas pequeninas, vestidas de igual, a dormir nos concertos encostadas umas às outras.
Beijo

Anónimo disse...

Que prosa deliciosa!

E adorável o comentário acima.
Mais beijos
Meg

Sofia K. disse...

Um amor mesmo, Rosarinho! Um dia mostro uma fotografia das três... uns doces!!!


Obrigada, Meg.! Os comentários da Rosarinho são sempre um amor! ;)

beijinhos às duas