terça-feira, 22 de abril de 2008

Dia da terra

Torga: "planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas, Miguel Torga é um nome ibérico, característico da nossa península(...)"




Hoje é Dia da Terra e tomo-o apenas como pretexto para aqui pôr o poema Terra de Miguel Torga, um dos meus poetas de eleição. Cantor do mundo rural, da terra portuguesa (Hoje sei apenas gostar / duma nesga de terra / debruada de mar - in Pátria) e das forças telúricas, poeta das cores da terra e da realidade quente do interior português. Caminhante numa busca incessante da intimidade com os elementos primordiais e defensor do que chamou 'espírito da terra'.

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

7 comentários:

P disse...

Não poderia ser mais certeira, esta opção por Torga e por este poema.
P.

Ricardo António Alves disse...

É verdade, muito bem escolhido.

Huckleberry Friend disse...

Sabes bem como embirro com os dias disto e daquilo... mas rendo-me quando servem para nos dares a ler poemas como este! Conheço o teu apego à(s) terra(s), até porque já nos ensinámos algumas. Aceita, por cada pedra, árvore ou charco em que tenhamos tropeçado, um beijinho quente.

dade amorim disse...

É lindo o poema de Torga, Sofia.
Beijo pela lembrança.

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

boa associação!

carinho meu

Sofia K. disse...

Obrigada, Baudolino. Torga tem quase sempre uma palavra certeira!

RAA, também tenho de pôr aqui o O'Neill!
beijinhos

Huck, eu também embirro, mas já que existem vamos aproveitar para lembrar poemas como este a que sempre me apego!
beijinhos

Adelaide e Júlia, ai os poemas de Torga...
beijinhos às duas

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

gosto mais dele como contista, Sofia, mas valeu na mesma. E já que te devo um "segredo",aí vai: tive o prazer de o conhecr em pessoa e a recordação mais bonita que tenho dele é de infancia, quando ele imitou para mim a voz de um passarinho, porque eue estava enfastiada com a conversa dos adultos :-)