terça-feira, 23 de setembro de 2008

1800

Pastelaria 1800 - Largo do Rato, Lisboa


Já não bastava já não podermos ter a tua casa como companhia dos jantares de Domingo - onde o teu lugar estaria sempre reservado, à espera que nos contasses a idade da terra ou as histórias da História -, ainda te mudaram a casa onde almoçavas.

Já lá vão quase dois anos e nunca mais consegui ali entrar.

Sempre que passava à porta, espreitava a ver se lá estarias de pé, ao fundo do balcão, a almoçar pão com queijo, um croquete e água. Mas, como nunca mais te vi, nunca mais entrei. Nunca mais parei para comprar um gelado, comer um bolo ou até tomar café. Já passaram dois Natais e nunca mais lá voltei para as azevias de batata doce. Tu não estavas, eu não entrava.

No outro dia, decidi que era hora de lá ir. Ocupar o teu lugar e pedir o que me apetecesse. Mas estava fechada para obras. Ironias da vida, esperara a minha coragem e fechara na véspera. Esperei que reabrisse, sem grande curiosidade de ver a casa nova. Hoje, porém, deram-me coragem e lá fui. Olhei primeiro, para ver se estavas. É um hábito que todos temos, sabias? Olhamos sempre à espera que lá estejas. Mas o teu sítio já não está lá, o balcão já não faz curva. Cheguei-me mais à ponta, esperei que o mesmo senhor de sempre me viesse servir e olhei à volta - já não era nossa casa! Café, só café e uma vontade de sair dali. Deitaram paredes abaixo, mataram-lhe os espíritos que por lá andavam e, com eles, o teu. Não sei se ainda hei-de procurar-te quando lá passar, não sei se hei-de esperar ver-te, se hei-de parar para um gelado dos mais caros... valeu a companhia de muitas das nossas conversas de almoço e a surpresa de um travesseiro à minha espera.

6 comentários:

ana v. disse...

Querida... tão bonito o teu texto e a tua homenagem! Adorei.

Beijinhos

Huckleberry Friend disse...

Belo texto. Sou dos que ainda olham pela porta da 1800 à procura dele. Encontro-o sempre, na memória dos almoços, das noitadas, das boleias. Beijinho.

CNS disse...

Tão belo este texto sobre a ausência. Que bom ter atracado neste cais...

SF disse...

Dor, saudade, tristeza... são sentimentos assim que dão os mellhores textos. Lindo!
Fica com beijinhos e muito sol
:)

Sofia K. disse...

Ai Ana, às vezes dá umas saudades... ainda para mais nesta altura! Acabamos por lembrar sempre, não é?
beijinhos

Pedro, acho que só tu sabes como eu sei... ;-)
beijinhos

CNS, ainda bem que gostaste...
beijinhos

SF, obrigada pelo sol!
bjs

Mário disse...

Ele está lá. Pelo menos esteve lá nesse dia.
Porque a memória dos outros é que os faz presentes.
Ele estava lá. E poderia jurar que o vi sorrir. Com os olhos marejados de lágrimas, mas sorrir.