Pastelaria 1800 - Largo do Rato, Lisboa
Já não bastava já não podermos ter a tua casa como companhia dos jantares de Domingo - onde o teu lugar estaria sempre reservado, à espera que nos contasses a idade da terra ou as histórias da História -, ainda te mudaram a casa onde almoçavas.
Já lá vão quase dois anos e nunca mais consegui ali entrar.
Sempre que passava à porta, espreitava a ver se lá estarias de pé, ao fundo do balcão, a almoçar pão com queijo, um croquete e água. Mas, como nunca mais te vi, nunca mais entrei. Nunca mais parei para comprar um gelado, comer um bolo ou até tomar café. Já passaram dois Natais e nunca mais lá voltei para as azevias de batata doce. Tu não estavas, eu não entrava.
No outro dia, decidi que era hora de lá ir. Ocupar o teu lugar e pedir o que me apetecesse. Mas estava fechada para obras. Ironias da vida, esperara a minha coragem e fechara na véspera. Esperei que reabrisse, sem grande curiosidade de ver a casa nova. Hoje, porém, deram-me coragem e lá fui. Olhei primeiro, para ver se estavas. É um hábito que todos temos, sabias? Olhamos sempre à espera que lá estejas. Mas o teu sítio já não está lá, o balcão já não faz curva. Cheguei-me mais à ponta, esperei que o mesmo senhor de sempre me viesse servir e olhei à volta - já não era nossa casa! Café, só café e uma vontade de sair dali. Deitaram paredes abaixo, mataram-lhe os espíritos que por lá andavam e, com eles, o teu. Não sei se ainda hei-de procurar-te quando lá passar, não sei se hei-de esperar ver-te, se hei-de parar para um gelado dos mais caros... valeu a companhia de muitas das nossas conversas de almoço e a surpresa de um travesseiro à minha espera.