quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Pausa em Madrid

Madrid é o meu próximo destino! Solto as amarras e parto por quatro dias para outro cais. Passar lá o Pão-por-Deus, esperando que alguém por cá guarde umas doçuras para mim. Palmilhar as ruas madrilenas, que já não vejo há nove meses e de que tenho infinita saudade. Sim, 'talvez se chame saudade' aquilo que sinto quando penso na melodia das vozes castelhanas, na alegria das noites em bares, a 'tomar una copa' como no Montes, do frenesim de museu em museu, querendo ver toda a arte e todas as artes. Do pequeno-almoço a tarte de 'membrillo' e de comer 'yuca' num bar mexicano, de apanhar sol no Retiro, para descansar de tanto andar. Saudades das tapas todas, da Plaza Mayor e dos seus artistas, do Vermouth 'de grifo' no 'Anciano rey de los vinos' perto da palácio real, das compras em Chueca, do chocolate quente com churros em San Ginés a acabar a noite, das perdizes do Botín e do resto que é sempre novidade, sempre bom... Mas uma certeza: a tristeza de ter de voltar...




Bebiendo y charlando
riendo y bailando,
bailando y bailando,
va pasando el tiempo
no hay nada como las noches de verano,
no hay nada como las ganas que te tengo.
Noches de Siroco, terracita Antón Martín,
y ese bar de Tirso que te gusta tanto a ti,
por la espina dorsal de la gran vía
derrapa una sirena de la policía
Y qué gusto da estar enamorado
y pasear contigo del brazo.
Traigo rosas rojas para ti,
eres mi rincón favorito de Madrid.

Pão por Deus

Antecipando o feriado do 1 de Novembro, em que não estarei por cá, para partir para outro cais por uns dias, deixo-vos com uma recordação dos tempos de meninice - o Pão por Deus!

Lá vai o meu coração
Sozinho sem mais ninguém
Vai pedir o Pão-por-Deus
A quem quero tanto bem.


Na minha infância, vivida na vila de Atouguia da Baleia, bem perto do mar do Baleal, na manhã do 1 de Novembro saía-se à rua a pedir Pão por Deus. Saíam as crianças batendo de porta em porta, gritando:
- Pão-por-Deus! - esperando que do outro lado abrisse a porta um sorriso com um cesto cheio de doçuras! Era uma festa, uma data antecipada em muitas conversas, relembrando os anos anteriores, contabilizando os doces conseguidos, que eram como troféus! Sabíamos que nos iam encher o saco de pano, alguns meticulosamente bordados, de doces e de coisas boas! Todos gostávamos e sabíamos que cada um dava o que podia e dava com o coração! Mas o melhor mesmo eram as casas dos amigos, onde recebíamos sempre mais do que nas outras e éramos tantos amigos! A Rita, a Filipa, a Magda, a Sandra... tantos, tantos! Nada poderia fazer-me mais feliz - chupas, doces, chocolates, mas os mais antigos davam tremoços, pevides, amendoins, fruta, broas e frutos secos e os mais generosos uma moedinha, talvez dez escudos, o que ainda dava para quatro pastilhas gorila na taberna ao pé da escola, lá eram só dois e quinhentos! Velhos tempos!

Quando vim viver para Lisboa, aos oito anos, tive muita pena de não haver por cá esta tradição. O mais parecido que havia era, em Junho, pedir-se uma moedinha para o Santo António, mas não havia doces para ninguém, apesar de as moedinhas darem para muitos doces na mercearia do Sr. Fernando. Eu via as minhas amigas comprarem, mas eu não tinha essas moedinhas, que a minha mãe não me deixava andar na rua! Coisas da cidade!

Mas hoje, é desses tempos e dessa terra onde a liberdade se ganha na infância e a inocência nos deixa a correr horas sem fim pelos campos e pelas ruas, sem medos, sem tempo... Hoje, são essas recordações que ficaram, de uma manhã a bater de porta em porta, a encher de sonhos um saco de alegria - nada melhor do que um doce para fazer feliz uma criança e quem corre por gosto não cansa. Se pudesse ainda ia ao Pão por Deus, mas já estou crescidinha, resta-me o consolo de um saquinho que me fica destinado em casa da Avó Lena, cheio de Bolas de Neve e que como, tal como dantes... todas de uma vez!
Nota: corrigido após comentário de um anónimo

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Bob Marley - Three Little Birds, por Gilberto Gil

Hoje esta música veio ter comigo num passeio pela Internet e decidi que tinha de a pôr aqui, porque me faz lembrar alguém que a canta como ninguém!

Ana, minha querida irmã: 'This is my message to you-ou-ou...'


segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Walking in the air...

Pedro: um presente para me levares a passear no céu...

A uma amiga

Há dias em que percebemos que a vida é feita de pequenos nadas, que rapidamente se convertem no quase tudo do nosso dia. São os pequenos gestos, sorrisos e abraços que nos confortam, que nos permitem celebrar a magia da vida ou onde nos deixamos nos dias de lágrimas.

Hoje escrevo aqui para agradecer um presente muito especial que recebi e que há muito, muito mesmo desejava - uma caixinha de música. Não se abre, apenas se dá à manivela e imaginam-se os músicos lá dentro a tocar e as bailarinas a dançar. De dentro vem a melodia da Flauta Mágica, de Mozart. Nada mais perfeito.

domingo, 28 de outubro de 2007

Gelo e sombra


Tu és só gelo e sombra

ausência de som

silêncio mudo

corpo nu, perdido

sonho inquieto, vazio.



Tu és preto e negro

branco no traço

contornante do teu gesto

e mãos

que desenham em segredo

o tropeçar dos nossos corpos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Más adentro...

Inspirada pela M., que me fez lembrar de um filme de que gostei e de um poema que ouvi vezes sem conta... que acho que já o sei de cor! Além disso, recordações de uma sesssão de cinema em Oviedo, num dos passeios por Espanha, que tão depressa quero repetir. Dá um friozinho...


Mar adentro, mar adentro,

y en la ingravidez del fondo,

donde se cumplen los sueños,

se juntan dos voluntades

para cumplir un deseo.

Un beso enciende la vida

con un relámpago y un trueno,

y en una metamorfosis

mi cuerpo no es ya mi cuerpo;

es como penetrar al centro del universo:

El abrazo más pueril,

y el más puro de los besos,

hasta vernos reducidosen un único deseo:

Tu mirada y mi mirada

como un eco repitiendo sin palabras:

más adentro, más adentro,

hasta el más allá del todo

por la sangre y por los huesos.

Pero me despierto siempre

y siempre quiero estar muerto

para seguir con mi boca

enredada en tus cabellos...

Medo

Medo,
quando tudo se parece perder
e nem o cais é de encontro.

Medo,
quando tudo escorre
por entre os dedos de uma mão cheia.

Medo,
quando tudo acaba
ainda antes de começar.

Medo,
quando tudo queima e arde
como folha de papel na lareira.

Medo,
do silêncio da voz
e da agitada consciência.

Medo,
quando tudo é nada
e nada parece ser o fim.


Medo que dá medo do medo que dá!




Nota: dedico esta música à Madrinha, que ajuda a escapulir ao medo que às vezes nos aperta o coração. Acho que gostas desta!

Aos outros marinheiros, espreitem a letra aqui, vale a pena.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Um cheirinho da minha ilha

O meu Baleal, a minha ilha, onde o Inverno passa o Verão e que o sol visita em dias invernosos de Janeiro, fica na zona Oeste de Portugal, perto da pêra-rocha do Bombarral, da ginjinha de Óbidos, dos dinossauros da Lourinhã, das compotas do Toxofal e das rendilheiras de Peniche, dos burros de Ferrel, das conquilhas da Foz, do castelo da Atouguia e das trouxas de ovos das Caldas.

Ali, no meu paraíso, passamos o Verão, mas a praia é mais nossa no Inverno, no mar revolto e na areia varrida pelo vento, nas rochas, escarpas que o mar doira com a sua espuma. Gosto de o ver no Inverno, de chegar pela manhã ou pela tarde, à paz do mundo em rebuliço, magia de uma solidão tão bem acompanhada. De ficar a dormir nas noites em que o frio não acaba e a madrugada amanhece distorcida, sem se ver o mar. Mais perto ele é branco, ele é verde, azul ou algas. Mas é meu.

O sol, esse, põe-se ao largo da Berlenga e vemo-lo poisar, no mar ou na ilha, os seus últimos raios. Magia sem fim, essa ilha de amantes e de amores, primeiros ou segundos, ou terceiros, sempre ilha de amores. Magia do nevoeiro matinal de um dia de Agosto, de um dia outonal, como se alguém fosse chegar. Tarde de pescadores da praia dos seus barcos, esperando que peixe fresco chegue à lota à beira-mar, perceves e bom peixe da ilha, da entre ela e a das Pombas, sempre coberta de gaivotas! Ao largo, outra ilha, a das Cebolas, que da árdua subida, recompensa a alegria com a ilha deserta que o mar eterno e infinito rodeia, a ver surfistas controlar o mar, de pé ou em pino, fazendo de bailarinos das ondas. Praia, duas, com areais imensos... caminhantes, piqueniques, passeios longos, areal imenso esperando as nossas pegadas, impressões do corpo nesse espaço tão nosso. Ir até lá longe, onde ninguém vê, onde as gaivotas passeiam a nossos pés e as ondas são mais puras e brancas, onde o mar é mais entusiasta a beijar os nossos pés, já cansados de calquinhar o passeio do mar! Pescadores de cana, vultos no horizonte, que aos poucos se assilhuetam ao nosso olhar, tão perdido em maravilhas!

Baleal, a minha praia, a nossa praia, onde um dia o sol de Verão apareceu ao Agosto e depediu-se dele com um raio verde - magia de um olhar e de um amor que só poderia ter nascido ali! Baleal é meu, é nosso, o Baleal.

P.S. Um cheirinho da magia desta ilha que é nossa, um bocadinho de cada um. Aos marinehiros do Cais que por lá aportam, para lembrar o friozinho que por lá se sente e do qual, faça chuva ou faça sol, temos sempre saudade!


(Nota: as fotografias foram tiradas pelo Codorniz e por mim)

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

A primeira chuva

A primeira chuva de Outono apanha-nos sempre desprevenidos: a roupa por apanhar, as sandálias, aquela camisa de manga curta... enfim, nada que não se possa resolver! Finalmente, parece que o Outono chegou! E estou contente com isso, gosto de ver o andar das estações, de ver as folhas cair e de ver as pereiras em flor, mas agora gosto de ter frio! Já uso a mantinha e, mais dia menos dia, hei-de usar o saco de água quente para me aquecer os pés! O dia está tristonho e cinzento, apetece ficar em casa a beber chá e a comer 'paizinhos' (receita da avó Hortense), enrolada numa manta a ver filmes, ou a ler um livro e a ouvir discos de vinil... Sabe tão bem... Mas não, a vida real chama-nos e pede-nos para trabalhar! Enfim, lá terá de ser! Mas nada melhor do que recordações. Deixo-vos um poema de que me lembrei hoje e que inaugurou a minha manhã, acompanhado de uma fotografia de um pôr-do-sol de Outono, no último Domingo... ainda a recordar o fim-de-semana romântico, a braços com panelas de doce!
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Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia
ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussurros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre
ó seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento
ó cabeças espumosas
ó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânime
em amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilante
só mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!
(António Ramos Rosa - Facilidade do Ar - Lisboa, Caminho, 1990)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Take this waltz...

A propósito de Leonard Cohen, que tem andado a ser a banda sonora da minha vida-musical nestes últimos dias, recordo mais uma das suas músicas. Esta, uma tradução livre de um poema de Federico García Lorca, embala-nos em danças em grandes salões de baile, que podem ser nada mais do que a nossa pequena sala, ou corredor! Para que ninguém vá dormir sem dançar um bocadinho... Arranjem par e deixem-se levar nesta valsa.


En viena bailare contigo
con un disfraz que tenga
cabeza de rio.
Mira que orillas tengo de jacintos
Dejare mi boca entre tus piernas,
mi alma en fotografias y azucenas,
y en las ondas oscuras de tu andar
quiero, amor mio, amor mio, dejar,
violin y sepulcro, las cintas del vals.

P.S. Dedico esta música ao meu par, para que venha do seu ninho, bater as asas aqui neste cais!

Resposta a uma provocação

Em resposta a uma provocação na blogosfera, aqui vos deixo esta delícia de anúncio. Não só pelo Martini, esse néctar que acompanha o pôr-do-sol, antecede jantares e fins de tarde na cozinha, entre amigos, mas também pelo protagonista do anúncio - George Clooney! Quem mais poderia ser? É sem dúvida Magnífico! O facto de ser a preto e branco dá ainda mais charme ao galã.
Se os poetas têm uma musa inspiradora, uma diva que os ilumina, eu, comum mortal, que tenho os poetas como almas de outro mundo, pelo peso da alma que carregam, tenho estes pequenos momentos magníficos da vida. São eles que me inspiram para escrever com os lábios, ou com o coração, pequenos sorrisos platónicos.

Um desejo: só gostava que ele me cantasse I´m Your Man!

Deixo-vos com a música, na voz do Leonard Cohen, para poderem imaginar, já que sonhar é para todos...

Cicatrizes felizes

As crianças mostram as cicatrizes como se fossem medalhas. Os amantes usam-nas como segredos a revelar. Uma cicatriz é a palavra transformada em carne. (Leonard Cohen)

As cicatrizes são as marcas do passado impressas no corpo e na alma, que não nos deixam esquecer as aventuras e desventuras por que passámos. Os joelhos esfolados em criança muitas vezes nunca saram, e na memória ficam as histórias de cada pedaço de cicatriz, que muitas vezes se unem. Cada joelho tem uma história, quase sempre associada à desobediência, a corridas loucas e a brincadeiras que nos pareciam sempre inofensivas - quando somos crianças acreditamos que podemos voar e não há limites de alturas, saltamos sempre de mais alto. A cabeça, essa, nunca parti, tive essa sorte, porque vi partir muitas, mas as minhas pernas eram sempre uma vergonha, entre cicatrizes, feridas e crostas arrancadas. Nada que ficasse bem a um menina, mas o facto de haver mais primos rapazes convertiam-nos em maria-rapaz num instante, éramos só duas.

Era subir às árvores, todos juntos, todos ao mesmo tempo, porque o juízo não vinha de lado nenhum. Aprender a andar de bicicleta descendo uma rampa enorme que ficava já longe dos olhares de qualquer mãe ou tias atentas, que acabava no fim do mundo, com um pedregulho enorme que eu não soube contornar! Não sabia andar de bicicleta, era o que era, também não foi assim que aprendi, mas com a Inês, na bicicleta do Gonçalo, à noite, depois do jantar. Ela agarrava-me para não cair, mas quando largou eu não caí! Caí foi depois, de orgulho, quando percebi que já era crescida como eles e sabia andar de bicicleta. É o melhor presente que se pode ter, uma bicicleta! O meu pai deu-me uma, depois, com um cesto cor-de-rosa e uma campainha! É o primeiro transporte para a liberdade, o segundo para a asneira! Apanhávamos amoras em silvas impossíveis de alcançar, debruçando-nos sobre o muro e acabando por cair par lá. Correr, correr, subir às árvores e acreditar que o amanhã chega, e com ele mais brincadeiras, mais bolos e doces, a marmelada da avó, pão com manteiga e açúcar que só ela sabe as quantidades para ser delicioso, uvada e geleia. À noite, se nos portássemos bem, às vezes, podíamos comer uma ginja da ginjinha que a avó fazia, meticulosamente tirada com um palito gigante.

A minha infância foi muito feliz, num mundo de muitas brincadeiras. As brincadeiras no quarto escuro, de que alguns tinham medo, muito medo - eu não! O correr pela casa, passando pela sala de jantar que abanava o chão e fazia um barulho metálico de que tínhamos medo à noite e, às vezes, durante o dia! Mais tarde, quando nasceram as minhas irmãs, o quarto das birras da minha irmã, a sala onde ficava com a minha mãe a ver televisão, onde fazia desenhos a amarelo torrado, a minha cor favorita! Os meus cães, O Tin-tin e a Flica, que morreu e me deixou muito triste. Os periquitos que nunca duravam mais de uma semana, até eu desistir de os ter. As frutas que íamos comer directamente da árvore - ainda hoje faço isso com as nêsperas! Como todas ali debaixo da árvore. As incursões ao sótão para ver brinquedos antigos e mundos antigos. As histórias que se contavam, de um túnel que ia ali de casa até ao castelo de Óbidos, e que nunca descobrimos, a cave que nunca encontrámos, com duas arcas - a do tesouro e a da peste e que se dizia que a minha família nunca abrira, por medo de abrir a errada. A cozinha de onde saíam os manjares dos deuses, feitos por qualquer um – ali, todos e todas tinham mãos de fada. As malaguetas que alguém comia - era eu, mas que ninguém acreditava, até me verem comer uma série delas durante um jantar, inteirinhas e secas. E sem beber água, que eu era forte! Os banhos à meia-noite, no Baleal, que a minha mãe me levava a tomar muito de vez em quando! O primeiro dente que me arrancaram da boca, ali mesmo em frente à praia. Recordações... cicatrizes felizes!

Os sonhos de uma infância feliz, de brincadeira e aventura, como só os livros dos Cinco um dia me contaram. Acho que vivi um pouco de todas essas aventuras, no campo e na praia. Sempre em segredos, sempre em correrias, sempre felizes, a saltar de rocha em rocha! Ai, a vida de criança é tão feliz, pura e inocente que, quando crescemos, é bom lembrar e guardar as cicatrizes que nos ficam no coração e na pele, uns joelhos eternamente esfolados, todos ou só talvez no sítio abaixo dele. Ainda hoje, quando nos juntamos, somos um bocadinho crianças e fazemos da nova geração as cobaias das nossas brincadeiras, a quem teremos todo o gosto ensinar. Trepamos às árvores, atiramo-nos à piscina e corremos atrás uns dos outros. Estas cicatrizes são as melhores páginas dos livros da nossa vida, a melhor recordação desse mundo feliz.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Construir castelos

Ainda a propósito de pedras no caminho, mas falando delas noutro sentido, hoje chegou-me esta mensagem ao e-mail e não posso deixar de partilhá-la com os meus navegantes.

Não podia ser uma síntese mais perfeita do que é a vida, nesta paciente aventura da construção dos caminhos, das casas e dos céus que estão por cima de nós! É este poder de autores da nossa vida e dos nossos cenários que nos dá alento para mais dias - se possível, felizes! As nuvens, essas, é soprar com força e desaparecem. Gosto da ideia de construir castelos com as pedras que aparecem, ou que pomos, no nosso caminho! Talvez um dia, consiga construir um castelo como de Óbidos!

"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes mas, não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. (...) Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.


Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."

Nota: primeiramente, este texto apareceu, aqui no blogue, com a autoria de Fernado Pessoa, mas graças ao aviso da Madrinha, retirei essa nota. O autor não sei quem foi, apesar de já ter andado a investigar, mas mantém-se a mensagem.

domingo, 21 de outubro de 2007

Uma romã no Outono

Ainda a tentar ter um Outono, mesmo que ele só me aconteça ao fim da tarde, ou num passeio pelo campo a pisar as folhas já secas dos plátanos, a verdade é que já sinto a brisa mais fria de um tempo mais frio! Ainda bem, à noite pode-se acender a lareira, mesmo que seja só por capricho, mas vale a pena queimar o 'gesto' de que falava Camões e deixarmo-nos perder nesta atmosfera ainda dúbia! Mais uma fruta de Outono, esta para comer à medida que o tempo passa e, se for no campo, melhor, porque aqui o tempo passa infinitamente mais devagar, como se não passasse.

A romã tem uma importância milenar, associada ao amor, à paixão e à fecundidade, aparece desde os textos bíblicos. Os gregos tomaram-na como símbolo do amor e da fecundidade e consagraram a sua árvore a Afrodite, pois acreditavam nos seus poderes afrodisíacos. Eu adoro romãs, demoram a descascar, mas vale a pena... semente a semente, vamo-nos enchendo de amor!

sábado, 20 de outubro de 2007

Sei quem és de onde vens


Hoje apaixonei-me pelo verde-azul do teu olhar,
pela leveza magia do teu chegar
após a ausência da tua desmedida
e intensa paixão.
Quem és,
de onde vens?


Esperei-te no cais,
na manhã de inverno-nevoeiro
em que chegavas de lá
do longe demais.
Quem és,
de onde vens?


Onde queres chegar?
Vem, podes chegar,
trazido pelas ondas do mar
de lá de longe.
Quem és,
de onde vens?

Eis-te aqui!
Chegado a mim,
trazendo do longe do horizonte
o amarelo-laranja do pôr-do-sol,
Vejo-te, sinto-te, toco-te...
E sei quem és,
de onde vens.
(M. Anaori)

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Para mim chegou o Outono...

Para mim chegou o Outono! Não aguento mais esperar que ele se decida a aparecer. Qualquer dia chega o Natal e Lisboa já tem as luzes quase todas postas e ainda não passeei ao frio, não vi a praia varrida pelo vendaval, nem fiquei a ver a chuva da janela. Quanto mais acender a lareira e passar a tarde enrolada numa mantinha a ler, quietinha, a beber jeropiga!

Hoje, num passeio por Cascais, reparei que o vento já soprava mais forte, o mar já estava menos azul-verão, havia folhas castanhas a fazer clac-clac quando as pisei e o senhor Eduardo, na Praça de Londres, já vende castanhas! Amanhã vou entrar ainda mais neste Outono, vou começar a fazer as minhas compotas e a marmelada. Quero passar a tarde ao fogão a mexer os doces na panela, a beber um chá quente, ouvir Reggiani e a ler as receitas do Pantagruel. Quero comer uns scones feitos na hora, recheados com os doces ainda a ferver e convidar os amigos para lanchar! Já decidi, se estiver calor ligo a ventoinha e ponho a cozinha em corrente de ar só para sentir o frio outonal. Tenho saudades do Outono e quero-o hoje!


Seguindo o conselho de ontem: Hoje, vai ser Outono!


Eva Cassidy - Autumn Leaves
(em sintonia com o Codornizes)


p.s. - Para a semana há distribuição de frasquinhos de doce para os interessados. :)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Hoje é o dia


‘Hoje é o dia’ é o nome de mais uma campanha da Nicola, a marca de cafés e dos Encontros Perfeitos. Na nossa vida, surpreendemo-nos muitas vezes com esta promessa de um dia fazermos ‘isto ou aquilo’, mas a vida vai passando e ‘isto ou aquilo’ fica para trás! São os desejos adiados, os sonhos esquecidos... Enfim, e se seguirmos o conselho?

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Uma pedra no meio do caminho

A propósito de uma pedra que me entrou no sapato, lembrei-me deste poema de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros do século XX e um dos meus preferidos. A sua obra foca os problemas do dia-a-dia, a partir de uma experiência pessoal. Por isso, são personagens da sua poesia o indivíduo, a família, os amigos, a terra natal ou as questões existênciais.
Um beijinho à Joana e à Madalena que estão do lado de lá do oceano, mais perto dos olhos do Chico Buarque do que eu!
~~~
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Apontamento


Os meus sentimentos são vazios,

a minha vida é um nada,

os meus sonhos são um fio,

que acaba de madrugada.

(M. Anaori - 1998)

Homenagem a Dragomir Knapic

Faz hoje um ano que dissémos o último adeus àquele que foi, antes de tudo, um professor e um mestre para todos. Além das suas aulas e dos seus alunos, para cada momento, havia sempre uma história de Portugal, um pormenor do mundo, o nosso peso em cada planeta do Universo. Depois, foi pai, mas, mais que tudo, avô - o melhor do mundo. Lembro-nos a correr pela Barata Salgueiro, com o sorriso que só um avô pode ter. Para nós, era sempre o que quiséssemos, mesmo que isso significasse tudo... Corríamos juntos em pequenos e, quando crescemos, todos, continuámos a caminhar lado a lado. Hoje, um ano passado, lembramos com saudade, mas com lembranças felizes, um avô e de um professor que não vamos esquecer.

Para lembrar, uma música que lhe dedicámos, na voz da neta mais 'maluca' de todas, a Ana.




Quando Deus te desenhou ele tava namorando
Na beira do mar
Na beira do mar do amor
(...)
Papai do céu na hora de fazer você
Ele deve ter caprichado pra valer
Botou muita pureza no seu coração
e a sua humildade fez chamar minha atenção
tirou a sua voz do própolis do mel
e o teu sorriso lindo de algum lugar do céu
e o resto deve ser beleza exterior
mas o que tem por dentro para mim tem mais valor

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Un regalo de palabras al oído

Há quatro anos, o jornal “El Mundo”, a propósito de um concerto do cantor canarino Pedro Guerra, fazia uma descrição deste 'cantautor': 'Es el hombre más feo del panorama musical. También es el más tierno, el más feminista sin ser femenino, el más entrañable de todos. Pedro Guerra es un esqueleto del que cuelga un atuendo poético, de ésos que va sin zapatos y hace lírica en el supermercado. Camiseta de lección sociológica un poco raída, coleta de Facultad.'

E foi aquela voz que me despertou a curiosidade e me entrou no ouvido. Cheguei a ele através de um duento com Cesária Évora – “Tiempo de Silencio”. Maravilhoso!
Ontem, descobri-o a cantar um soneto de Neruda, 'Antes de amarte, amor', e a poesia da sua voz mistura-se com a poesia de Neruda, nem imaginam a beleza... Mas ainda há mais... Um passarinho, fã do Pedro Guerra, sussurrou-me as melhores músicas e os melhores discos. E lá me perdi numa tarde com uma grande banda sonora.

Aconselho a ouvirem com tempo e com silêncio o disco “Mararía”, a banda sonora de um filme com o mesmo nome, porque é sem dúvida incrível. Mas hoje deixo-vos com uma das minhas preferidas - um presente a esse passarito que me sussurrou esta brisa.

~
Aquí hay una canción
que nos descansa,
un hueco para el alma,
sentirse como en casa,
un alto en el camino
nada más.



segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Fernando Guimarães - a simplicidade profunda

A Associação Portuguesa de Escritores atribuiu ao livro "Na voz de um nome" o Grande Prémio de Poesia 2006. Fernando Guimarães, 79 anos, natural do Porto, foi galardoado pela 2ª vez com esta distinção, a primeira foi há quinze anos com a obra “O Anel Débil” (Edições Afrontamento). A questão surgiu no “Público” de ontem: será desta que o autor, também tradutor, ensaísta e crítico literário, deixa de ser "um poeta português injustamente esquecido"?
(Vieira da Silva - Bibliotèque en feu)
A verdade é que este poeta aparece muito poucas vezes citado, recitado e nomeado, mesmo no meio literário, quanto mais na boca do povo. A sua obra entende-a como necessária – “Não para os outros, mas para mim. Mas se ela puder dizer qualquer coisa aos outros, se abrir um caminho de comunicação, então sentir-me-ei feliz. Mais nada”. No entanto, considera que a linguagem poética da poesia contemporânea não tem um reflexo imediato, como teve a poesia do século XIX, talvez por esta ser mais densa e hermética. No seu entender, a poesia é uma “experiência” – “uma experiência da linguagem, naturalmente, e também da imaginação. Realiza-se, assim, um encontro que não é propriamente com os leitores, mas com o espaço literário, com situações de leitura.”

Faço aqui a minha homenagem a um poeta de que gosto particularmente, pela simplicidade das palavras, mas pela densidade da mensagem, na medida em que se fundem a poesia e a filosofia, um eco das duas influências. Distingo o rigor expressivo da sua poesia, que Jorge de Sena sintetizou como "uma atmosfera visionária mas estranhamente tranquila".


Folheias um livro (poema inédito)
Folheias um livro.
Numa das páginas encontras um desenho
que está por concluir. Por alguma razão ficou assim. Talvez
sejam suficientes as linhas ali desenhadas. Numa praia
podem ser vistos alguns vestígios da água. Muitas vezes procuras
descobrir o sentido do que não precisa sequer de estar
junto de ti, porque houve mãos que já o sabiam. De novo a água
atravessa aquelas páginas. Fixas o teu olhar e recebe-la
para que também sejam as tuas mãos capazes desse conhecimento. Depois
principiaste a ver melhor o que nem sequer existia. Fechas
o livro devagar. O desenho que tinhas encontrado está agora completo.

tivesse eu sido poeta

Il poeta e la Musa (Rodin)
---
Tivesse eu sido poeta
queria ser recordado boémio, louco,
amante, embriagado de amor.

Tivesse eu sido poeta
queria ter cantado a tua beleza
comparada às ondas do mar
às rochas da praia
aos vales do campo.


Tivesse eu sido poeta
queria ter criado metáforas
do amor como libertação
da paixão como prisão
de ti como deusa.

Tivesse eu sido poeta
não queria estar aqui,
antes ter morrido de amores,
por amor a ti!
(M. Anaori)

sábado, 13 de outubro de 2007

Fim-de-semana é para ganhar coragem

Amanheceu hoje o sol no campo, a sua luz veio poisar sobre os montes e os vales já amarelados do Verão. Hoje, o Outono esconde-se nas folhas amarelas, naquelas já caídas das suas árvores... mas o sol saiu à rua e veio poisar no mar, em jeito de Verão. Hoje, o sol vai pôr-se mais cedo, mas ainda assim pôr-se para lá do horizonte de qualquer cais... telvez do meu... 'a vida é feito de pequenos nadas', de pequenos raios de sol que nos acordam numa manhã de Outono fazendo-nos crer que aindá é Verão!


Ouvi dizer que quase tudo vale pouco
quem o diz não vale mesmo nada
porque não julguem que a gente
vai ficar aqui especada
à espera que a solução
seja servida em boião
com um rótulo: Veneno!
é para tornar desde pequeno
às colheradas a vida é feita de pequenos nadas

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Água da Índia

Uma viúva deve sofrer até à sua morte, ser comedida e casta; A mulher virtuosa que se mantém casta após a morte do marido irá para o céu; Uma mulher infiel ao seu marido renasce no ventre de um chacal.’
(As Leis de Manu, capítulo 5, versículo 156-161, Dharamshastras)

A terceira parte da trilogia cinematográfica dos Elementos - os anteriores foram "Fogo" (1996) e "Terra" (1998) -, "Água" (2006), retrata a vida das viúvas na Índia na década de 1930, assim como a condição das mulheres e o esmagamento da sua dignidade. Dizem os Shastras que uma mulher é metade do seu marido, enquanto ele está vivo. E quando o marido morre, as mulheres também ‘meio-morrem’, logo, uma meia-morta não poderá sentir dor. Mas a verdade vem da boca da pequena Chuyia, que ficou viúva com apenas oito anos, sem nunca ter conhecido o marido, mas proibida de voltar a casar. A sua condição de viúva reflecte-se no estigma do cabelo rapado e nas privações económicas com que vivem as viúvas. Mas é ela quem representa, de certo modo, uma evolução que vinha sendo anunciada por Gandhi. É ela que diz: ‘Uma meia-morta pode sentir dor, porque ainda está meia-viva’.

Chuyia vive internada numa "ashram", uma casa de recolhimento para viúvas, onde deverá permanecer até ao fim da vida, privada das alegrias da infância. Esta personagem é, ao mesmo tempo, carismática e comovente, sempre com o seu ar inocente e um sorriso puro. A realidade que nos é apresentada é ainda mais crua quando se trata de uma criança. É uma história de extrema sensibilidade e envolvência.

Destaco o trabalho de fotografia de Giles Nuttgens e ainda a actriz Lisa Ray, no papel de Kalyani, a mais bonita de todas as viúvas.

Miguel Torga - 'Homem, Cidadão, Poeta'

Na quarta-feira, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, na Avenida de Berna, iniciou um Curso Livre sobre Miguel Torga - 'Homem, Cidadão, Poeta'. A primeira aula foi dada por Teresa Rita Lopes. Centrando-se nos Poemas Ibéricos, apresentou-nos uma leitura em contraponto com a Mensagem de Fernando Pessoa, na qual os heróis são exaltados e o além-mar visto como o caminho para o País recuperar a sua grandeza. Torga, pelo contrário, insurge-se contra esses heróis míticos, preferindo um Portugal telúrico, o da 'terra-firme', unido a Espanha, ele que se considerava um 'filho ocidental da Ibéria'. Para Torga a Nação era um corpo, mas para Pessoa era uma alma!

Deixo-vos com o programa, com esperança de que apareçam numa destas quartas, sempre às seis da tarde.


Outubro

17 A arte do conto em Miguel Torga - Lúcia Lepecki

24 O Brasil de Miguel Torga - Arnaldo Saraiva

31 O poeta - Fernando J.B. Martinho

Novembro

7 Torga e Nemésio: percursos cruzados Fátima Freitas Morna

14 Miguel Torga, Criação e Revolta - Teresa Araújo

21 O Diário de Miguel Torga ou a Melancolia de Portugal - J. A. Cardoso Bernardes

28 Torga Moralista: Fragmentos e pensamentos- Cristina Robalo Cordeiro

Dezembro

3 A ideia de poesia em Miguel Torga - V. M. Aguiar e Silva
Nota: A fotografia foi tirada pelo Pedro - um campo de azedas no Toxofal de Baixo

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Viagem

Deixo-vos com um poema de Miguel Torga, porque é sobre ele que ando a preparar uma entrada (talvez logo à noite!). Um convite para conhecerem melhor este autor. Mas encontrei o poema 'Viagem', que falava em cais, em mar e marinheiros. Mas a vós vos peço que não partais, mas antes que vos chegueis mais...

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Fado de Encontro

Sugestão musical:

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Por falar em fados, por falar em música portuguesa e por falar em amor, deixo-vos com o dueto de Mariza e Tim – "Fado de Encontro". Fica no ouvido, na voz e também se pode dançar. Deixo a letra para poderem aprender depressa e poderem cantá-la como eu, no carro, de janelas abertas e bem alto... espero que menos desafinados! Mas no 'peito dos desafinados também bate o coração'... Por isso cantem e dancem... que a vida é uma festa e este cais um salão de baile!
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Vou andando, cantando
Tenho o sol à minha frente
Tão quente, brilhante
Sinto o fogo à flor da pele


Tão quente, beijando
Como se fosses tu
Ao longe, distante
Fica o mar no horizonte
É nele, por certo
Onde a tua alma se esconde
Carente, esperando
Esse mar és tu

Pode a noite ter outra cor
Pode o vento ser mais frio
Pode a lua subir no céu
Eu já vou descendo o rio…


Na foz, revolta
Fecho os olhos, penso em ti
Tão perto, que desperto
Há uma alma à minha frente
Tão quente, beijando
Por certo que és tu

Pode a lua subir no céu
E as nuvens a noite toldar
Pode o escuro ser como breu
Acabei por te encontrar

Vou andando, cantando
Tive o sol à minha frente
Tão quente, brilhando
Que a saudade me deixou
Para sempre,Por certo
O meu Amor és tu.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Maria Lisboa

A exposição David Mourão-Ferreira e o Fado está patente até dia 31 de Outubro no Museu do Fado, em Alfama. O museu vale a pena, pela exposição permanente, onde podemos encontrar uma série de colecções de discos, cartazes, instrumentos e partituras. Apesar disso, a exposição actual vale pelo homenageado.

David Mourão-Ferreira (1927-1996), no seu percurso multifacetado enquanto poeta, ensaísta, ficcionista, jornalista, professor e tradutor, chega a todos os portugueses através da “Maria Lisboa”, da “Madrugada de Alfama”, da “Primavera”, do “Abandono”, ou do “Barco Negro”. São dele estes poemas-cantados que nos fazem sentir ainda mais lisboetas, de espírito bairrista. É com ele que sentimos a magia dos bairros de Alfama e da Mouraria, sentimos Lisboa como nossa. A alma da poesia canta no nosso peito, qualquer que seja a nossa naturalidade. Assim, recordam-se os tempos em que a poesia e o fado se encontram. A exposição apresenta "uma recriação do escritório do autor, trazendo a lume os testemunhos da obra poética que consagrou ao fado, entre manuscritos originais e letras dactilografadas, as primeiras edições discográficas que consagraram estes temas, a par de um conjunto de registos audiovisuais que ilustram as interpretações de poemas da sua autoria por Amália Rodrigues, Camané, Mariza e Cristina Branco, entre outros." Deve valer a pena.

É varina, usa chinela,
Tem movimentos de gata;
Na canastra, a caravela,
No coração, a fragata.

Em vez de corvos no xaile,
Gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile,
Baila no baile com o mar.


É de conchas o vestido,
Tem algas na cabeleira,
E nas velas o latido
Do motor duma traineira.


Vende sonho e maresia,
Tempestades apregoa.
Seu nome próprio: Maria;
Seu apelido: Lisboa.